Melonrise Lote 1

Hoje é dia de contar como nasceu a nossa amada Melonrise. A história dessa cerveja se confunde com a história da fundação da TRILHA.

Tudo começou no início de 2016. O Daniel havia voltado empolgado de uma viagem onde tinha conhecido uma febre do mercado americano: as Juicy IPAs.  Na época as Juicy IPAs nem eram um estilo oficializado. Uma série de cervejarias da região de New England começaram a fazer IPAs fora do estilo tradicional: mais turvas, suculentas, com quantidades abundantes de lúpulo, aromas e sabores frutados e um amargor leve, limpo e delicado. Parecia um suco lupulado e foi amor à primeira vista! Não demorou para virar uma febre por lá. Aqui no Brasil o estilo era totalmente desconhecido e parecia para nós uma escolha óbvia para a primeira cerveja da TRILHA.

Na mala do Daniel vieram cerca de 30 latas e garrafas que bebemos e nos deleitamos debatendo e definindo o plano para produzir uma Juicy IPA brasileira. 

 

Uma lenda corria pelo mundo cervejeiro:
o grande segredo das Juicy IPAs está na levedura. 

 

No Brasil quase ninguém conhecia o estilo e muito menos se sabia das tais leveduras. A solução foi isolar leveduras das cervejas que vieram na mala, além de trazer na bagagem pequenos frascos com céluas vivas das cepas comercias existentes por lá para propagar no Brasil.

Havíamos acabado de instalar um laboratório cervejeiro no lugar do estoque do meu antigo restaurante (que foi gentilmente realocado para o porão). O laboratório era o embrião do projeto da TRILHA e foi montado para que pudéssemos criar as primeiras receitas, cultivar leveduras e ter um local físico para nos dedicarmos exclusivamente ao projeto. Nenhuma cervejaria brasileira havia lançado uma Juicy IPA e não haviam boas referências de receita em lugar algum. O solução foi investir em pesquisa para aprender os segredos.

O primeiro passo foi validar a real importância das leveduras no resultado final. Fizemos alguns lotes testes e como resultado saíram cervejas imperfeitas, bem inferiores às referências importadas, mas que já eram bem juicys. Eram Juicy IPAs brasileiras feita por nós! E sim, a levedura certa faz uma baita diferença.

A pesquisa se estendeu por 6 meses. Nesse período, testamos diferentes receitas com distintas combinações de maltes, variedades de lúpulo, composições químicas da água, rampas de temperatura, temperaturas de fermentação, técnicas de adição e retirada de lúpulo, quantidades de lúpulo, leveduras e como tudo isso se combinava no resultado sensorial.

Eu passava meus dias no laboratório, fazendo testes e mais testes em uma panela alemã tipo single vessel de 20L para ajudar a padronizar as receitas. Foram mais de 40 tentativas de receita até chegar à receita definitiva da Melonrise. Após seis meses de testes decidimos que estávamos prontos para lançá-la

Em junho de 2016, encontramos uma cervejaria pequena que produziria um lote de 400L da nossa receita no formato de produção cigana. A expectativa era enorme, afinal seria a primeira Juicy IPA do Brasil. Uma febre dos EUA que estava prestes a se espalhar por aqui. O resultado porém foi uma decepção. Um problema de autólise das leveduras (processo destrutivo de autodigestão de um micro-organismo) trouxe à cerveja  um cheiro de carne podre e um amargor de pneu queimado; ao invés de lançar no mercado mandamos 400 litros pro ralo.

Passei cerca de um mês investigando o problema, conversando com diversas pessoas e testando soluções até voltar na mesma cervejaria e produzir novamente 400L. O resultado dessa vez não foi menos decepcionante. Autólise menos intensa, mas igualmente horrível. E lá se foi a cerveja pro ralo de novo.

Esse foi certamente um momento bem importante pra nós. Foi doloroso jogar a cerveja no ralo, mas foi nessa época que gravamos na alma da cervejaria o compromisso de só fazer produtos que consideramos excelentes. A duras penas aprendemos lições valiosas que contribuíram muito com o nosso amadurecimento como cervejeiros.

Estávamos focados e decididos a produzir aquela cerveja, mas naquele mês eu estava com uma viagem marcada para Chicago para estudar cervejaria profissional no prestigiado Siebel Institute of Technology. A viagem já estava planejada com meses de antecedência e decidimos esperar para fazer o próximo lote e decidir o futuro.

Voltei no início de outubro com um milhão de novidades e com a confiança lá em cima. Dias depois estávamos nós produzindo a receita novamente. Mas dessa vez a coisa era pra valer e fomos direto para um lote de 1.000 litros.

Seguimos todos os padrões que a escola tradicional recomenda e nos atentamos aos mínimos detalhes. Nessa produção, porém, houve uma mudança fundamental: por aconselhamento do Rodrigo Louro decidimos fazer uma análise de viabilidade nas células de levedura. Foi olhando no microscópio que descobrimos a razão dos nossos problemas: o fornecedor que propagava as leveduras para nós estava entregando a metade do número de células que havíamos encomendado e que dizia ter nos frascos!

Com o mosto já no tanque frio esperando pelas leveduras precisávamos tomar uma decisão rápida: arriscar novamente com a mesma levedura em quantidade baixa ou tomar um caminho alternativo? Depois de minutos de angústia, a minha decisão foi usar um blend pouco tradicional, mas que já havia testado na pequena escala. E lá se foram 13 trilhões de pequenas células de levedura para uma festa no tanque. Se seguiram 21 dias tensos até o resultado final. Mas dessa vez tinha dado certo. E estava melhor do que nunca! Após 11 meses de testes e imensos aprendizados, ela estava pronta!

Melonrise Lote 1 - pós fermentação. Linda e aliviados. 

Melonrise Lote 1 - pós fermentação. Linda e aliviados. 

A Melonrise foi lançada em 24 de novembro de 2016 junto com a TRILHA. O laboratório mudou de endereço e cresceu de tamanho. Já as pesquisas e testes continuam rolando diariamente por aqui...

Beto

 

Daniel BekeiermanComentário